quarta-feira, 2 de junho de 2010

Sabores em risco












Não só animais estão ameaçados de extinção. No Brasil, há diversos alimentos perigando desaparecer - levando junto tradições culturais e memórias gastronômicas

No caminho para casa, Carlo decidiu parar no restaurante de um velho amigo com o intuito de se recuperar de uma extenuante viagem com o afago de um prato de peperonata, ensopado italiano salpicado por um pimentão doce e carnudo da variedade "quadrado d’Asti". Para seu desalento, o que provou foi o empobrecimento do gosto daquela receita dos deuses, sendo que a qualidade do chef era inquestionável. Decepcionado, descobriu que aqueles pimentões perfumados e polpudos que povoavam sua memória gustativa quase não eram mais produzidos na região. No lugar deles, variedades insossas cultivadas em larga escala na Holanda haviam extorquido a originalidade da receita. "São mais baratos e ninguém compra os nossos", lhe explicou, mais tarde, um ex-produtor dos pimentões de Asti, que sorriu ao dizer que agora cultiva bulbos de tulipas e os envia à Holanda para florescer.

A concorrência dos alimentos produzidos em larga escala é apenas uma das causas que colocam cerca de 800 produtos em uma lista mundial de alimentos em risco de desaparecer. Isso mesmo: assim como animais, ingredientes também podem estar em processo de extinção, afinal, são frutos da natureza. O catálogo internacional chama-se Arca do Gosto, numa referência à metáfora bíblica da Arca de Noé. Foi elaborado e é atualizado constantemente por chefs de cozinha, agrônomos, cientistas da alimentação, jornalistas e antropólogos, que se voluntariam em um projeto da Fundação Slow Food pela Biodiversidade, presidida por Carlo Petrini, o Carlo, que não se conformou com o sumiço dos pimentões de Asti.

Para entrar na lista, um ingrediente ou alimento processado precisa não só estar em risco de sumir do mapa mas ter sabor especial, ser produzido em pequena escala de forma artesanal e estar ligado à memória e à identidade dos habitantes de certa região. "Para mim, como italiano, perder um queijo é como amputar uma igreja gótica ou um castelo medieval, pois gerações de pessoas trabalharam com esse alimento, é um patrimônio identitário, sem ele somos pobres", diz Petrini.

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