terça-feira, 20 de julho de 2010

Tá certo ou tá errado?



Muitos pais cometem falhas na alimentação das crianças sem perceber

"Dá uma mamadeira queridinha, mamãezinha", dizia o Francisco, aos 3 anos de idade, depois que nasceu Sebastião. Eu ficava comovida. A mamadeira de leite com achocolatado apaziguava alguma coisa dentro dele que ultrapassava minha capacidade de compreensão. "É meu peito", argumentava ele, me deixando sem palavras, enquanto eu amamentava seu irmão. Me deixava também sem poder de veto, que sempre exerci sem remorsos. Culpa é para mãe desocupada. Lá em casa não dá tempo. Então, antes que ele abrisse o berreiro e convidasse o irmão a se juntar àquela ópera, eu dava logo uma mamadeira. Ou duas. Ou três.

Então fui convocada a fazer esta reportagem e investigar os erros que os pais cometem e que atrapalham o paladar e a alimentação dos seus filhos. A primeira coisa que fiz foi assistir a uma palestra de Jamie Oliver, o chef inglês da hora - aquele que conseguiu a proeza de reformular a merenda da rede de ensino britânica. E descobri que, com as várias "mamadeirinhas queridinhas" que o Francisco tomava por dia, ele ingeria um "carrinho de mão" de açúcar por ano. Mesmo sendo zelosa com a alimentação dos pequenos, ao escrever esta reportagem percebi, constrangida, que minha própria casa era uma comédia dos erros - será que a sua também é?

Forçar as boas maneiras
Meus filhos comem bem. Mesmo reclamando, o Francisco nunca deixa sobrar nada no prato e opera o garfo com destreza de dar gosto. Aprendi com minha mãe que desperdício, bem como falar de boca cheia, é uma grosseria. O Sebastião, de 7 meses, que está adentrando no universo dos comestíveis, se revelou uma pequena capivara, sempre colocando a mão em tudo. Lá em casa já virou bordão: "Sem as mãos", e assim vou ministrando as colheradas sem deixar que o pequeno encoste na comida. Tudo isso para descobrir, com cara de eureca, que se sujar faz parte do processo. "A alimentação é uma experiência sensorial completa e levar comida à boca é decorrência da manipulação", diz o pediatra e consultor do Ministério da Saúde Carlos Eduardo Correa. Ele afirma que, se a experiência sensorial for prazerosa bem no comecinho da vida, a criança sempre vai querer experimentar coisas novas. Nem adianta querer passar noções de etiqueta antes de a criança completar 1 ano. Entre os 2 e os 3 anos de idade, a criança começa a entender o porquê das regras, tem habilidade para usar a colher. "As boas maneiras devem ser introduzidas como parte do processo de aprendizagem, com naturalidade", diz a psicóloga e doula Daniela Andretto.

Proibir de entrar na cozinha
Na cozinha, meus pequenos só entravam na hora de comer. Sempre os deixei longe do fogo e das facas. Longe, por tabela, do preparo das comidas. Um erro, como vim a saber. Pesquisadores em pedagogia da Universidade de Colúmbia, Nova York, descobriram que preparar comidas saudáveis junto com as crianças afeta seus hábitos alimentares de maneira positiva. Aproximadamente 600 crianças de 6 a 12 anos que participaram de aulas de culinária e nutrição começaram a comer mais grãos e vegetais. O fato de prepararem seus próprios alimentos as tornou mais propensas a comer bem. "Não deixar a criança entrar na cozinha é um erro natural. Os pais têm medo que elas se machuquem", diz a nutricionista infantil Ana Carolina Elias de Almeida. "Mas é importante envolvê-las no preparo da comida, inclusive na compra, para que elas possam conhecer a variedade de alimentos que existe." Tudo isso é possível com os devidos cuidados. Os pais devem ficar sempre de olho e nunca deixá-las sozinhas na cozinha. Mas, para o pediatra Carlos Eduardo, o medo de acidentes domésticos pode ser um risco em si: "Se a criança não aprende o que pode machucar, não reconhece os perigos do ambiente e fica vulnerável".

Longe das mãos, perto dos olhos
Minha casa também estava cheia de itens proibidos - chocolate, salgadinhos, refrigerantes - bem longe das mãos, mas suficientemente perto dos olhos a ponto de atiçar o desejo dos pequenos. Toda casa deve ter um pouco de guloseimas, mas estudos da Universidade de Penn State, nos EUA, sugerem algo que a gente, no fundo, já sabe: alimentos proibidos são mais desejáveis. Crianças foram sentadas em uma mesa com acesso ilimitado a doces e quitutes. Numa outra mesa, os doces ficaram dentro de um pote de vidro e as crianças foram informadas de que poderiam comer somente depois de 10 minutos. Na mesa em que o consumo era livre, comeu-se três vezes menos do que na mesa em que havia restrições. "A proibição reforça o desejo por coisas que não fazem bem. O doce é gostoso e proibido. Isso gera ansiedade na criança", diz Ana Carolina. Para solucionar o problema, a nutricionista sugere moderação por parte dos pais, ao comprar itens que não querem que os filhos consumam, e muito diálogo: "É um bom momento para trabalhar a questão dos limites com as crianças, explicar que tem a hora e a quantidade certa para comer".

Chantagem emocional
Não deixe que o "não comer" vire uma chantagem. Quando os pais colocam muito peso na questão, a criança abusa. O ideal é relaxar um pouco com isso, pois, como as bisavós já diziam: "Criança com fome come até maçaneta". Outra questão que contribui para a neurose da alimentação é a velha negociação. O famoso "come brócolis que eu te dou um presente". Pesquisadores da Penn State ofereceram às crianças figurinhas e horas em frente a TV em troca de um bom prato de verduras. Constataram que as crianças até comeram os legumes, mas aumentaram, e muito, sua implicância com os alimentos verdes. Lá em casa a negociação era sempre parte do processo, e no fim eu cometia ainda outro erro: enchia os meninos de beijos e mimos quando eles comiam bem. Segundo o pediatra Carlos Eduardo, não faz sentido que os pais passem a mensagem "eu gosto de você porque você come bem". É preciso, antes de tudo respeitar o desejo da criança de não comer.

Fazer refeições separados
Não encanar de maneira exagerada com a alimentação mostrou-se um caminho eficiente. Mas nem por isso os pais devem desistir. A Organização Mundial de Saúde sugere que um mesmo alimento deve ser oferecido repetidas vezes em diferentes dias e situações. "A receptividade da criança não é linear. Às vezes ela está disponível, às vezes não", explica Daniela. Por isso, antes de falar em alto e bom som (como fizemos lá em casa) que a criança não gosta de couve (guarde a frase para si), vá oferecendo em diferentes momentos, como quem não quer nada, de preferência durante a refeição em família. Esse era, por sinal, outro erro que cometemos no nosso doce lar. Por uma questão de logística, as crianças comem bem mais cedo do que a gente e raramente temos uma ceia familiar. Mas comer junto é um ritual. "É uma atividade social. Pode começar desde o sexto mês, quando o bebê já consegue sentar. A criança olha os pais comendo e imita. Quer fazer parte do grupo", diz Carlos. Nesse momento a criança aprende por imitação, inclusive, as boas maneiras.

Comer pratos diferentes
Mas não adianta sentar junto e comer diferente: arroz com feijão para o filho enquanto a mãe sorve um shake de regime. Uma revista de psicologia norte-americana colheu depoimentos de meninas de 8 anos de idade, filhas de mães adeptas de regimes intensos. Elas revelaram que suas noções próprias de uma boa alimentação estavam relacionadas a saladinhas ralas e milk-shakes. "Pais com distúrbios alimentares tendem a ter filhos com distúrbios alimentares, tanto para a obesidade quanto para a anorexia, e esses fatores não se devem só a predisposição genética", diz Ana Carolina. Por isso, embora já tenhamos afirmado que os pais têm direito de primar por suas beliscadas, a família deve buscar uma alimentação comum e equilibrada que atenda às necessidades das crianças e dos adultos. Lá em casa, isso foi mais difícil do que parecia: maneirar na pizza com refrigerante em frente ao futebol de domingo e encontrar um horário comum para comermos juntos.

Comilança vendo TV
O mais difícil mesmo foi mudar um hábito do Francisco: sentar na mesa na cozinha e não na frente da TV para tomar café. Um adendo: eu não tenho empregada. De manhã preparo o café do Francisco, enquanto cozinho os legumes da papinha do bebê e faço o café preto dos adultos. Deixar o Francisco na sala assistindo a Tom & Jerry atribuía à TV o papel da babá que nunca tive. Mas no fim da reportagem a mudança já era nítida. Começou com o leite achocolatado, que virou apenas leite. Em uma semana, o Francisco se acostumou. Para substituir o desenho animado, inventamos uma atividade lúdica: picar banana, maçã, amassar o papaia, cobrir de aveia e iogurte, ou seja, envolver o Francisco no preparo da salada de fruta. E também o Sebastião, que sentadinho na cadeirão ia amassando a banana com suas mãozinhas de quem um dia vai abraçar o mundo. Para sentarmos, por fim, os quatro juntinhos na mesa da cozinha, num delicioso ritual doméstico.

Fonte: Planeta Sustentável

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